Muita gente acredita que a cidade é um espaço para todos. Mas não é bem assim. Na prática, a cidade é seletiva. Ela distribui direitos, acessos e oportunidades de forma desigual. E mais do que isso: ela escolhe quem pode viver com dignidade.
As cidades refletem escolhas políticas
Nada no espaço urbano é por acaso. A localização de um hospital, a ausência de calçadas, a falta de linhas de ônibus ou de moradias dignas… Tudo isso resulta de decisões políticas. E essas decisões, muitas vezes, favorecem uma parte da população em detrimento de outra.
Enquanto alguns têm acesso fácil a serviços e conforto, outros enfrentam longos deslocamentos, insegurança e abandono. O território urbano não é neutro. Ele é desenhado por interesses — e, muitas vezes, interesses que ignoram os mais vulneráveis.
Mobilidade: um direito negado
Um dos maiores exemplos dessa desigualdade está na mobilidade. Quem anda de ônibus, a pé ou de bicicleta sofre diariamente com a falta de infraestrutura. Calçadas quebradas, ônibus lotados, ausência de ciclovias ou quando existem são desconectadas e mal conservadas, sinalizações deficientes — tudo isso torna a cidade hostil para quem mais precisa se mover.
Enquanto isso, os carros seguem com avenidas largas, viadutos novos e incentivos fiscais. Quem planeja a cidade privilegia o automóvel, mesmo sabendo que ele é fonte de poluição, congestionamento e desigualdade.
A moradia revela o apartheid urbano
A habitação também revela a face excludente da cidade. O preço do solo urbano força os mais pobres a morar longe, nas periferias, onde faltam serviços básicos. O centro, bem estruturado, é ocupado por poucos. Já as favelas e loteamentos irregulares crescem onde o poder público não chega — ou só chega com polícia, remoção e preconceito.
Quem não tem “documento de moradia” vive à margem da cidade formal. Muitas vezes sem endereço oficial, sem acesso pleno à saúde, educação ou trabalho. É um ciclo de exclusão urbano e institucional.
Quem planeja, decide quem vive bem
A cidade não é neutra porque o planejamento urbano define quem será incluído e quem será deixado de fora. Quando se escolhe onde investir, onde pavimentar, onde construir escolas e hospitais, está se escolhendo quem vai ter dignidade.
E mais: quando o poder público ignora as vozes das comunidades, ele reforça a desigualdade e perpetua a injustiça. Planejar sem ouvir é planejar contra.
O urbano como território de disputa
A cidade é um campo de luta. Todos os dias, movimentos sociais, ciclistas, moradores de ocupações, pessoas com deficiência, mães solo e tantos outros grupos lutam por reconhecimento e espaço.
Essas lutas mostram que a cidade precisa ser ressignificada. Ela deve deixar de ser um instrumento de exclusão para se tornar um lugar de convivência, diversidade e inclusão.
Cidades para pessoas — não para lucros
A transformação começa quando entendemos que a cidade não pode ser pensada só para o lucro. Não pode servir apenas ao mercado imobiliário, aos interesses privados, aos carros e ao consumo.
Cidades humanas priorizam o bem-estar. Garantem acesso universal, mobilidade segura, moradia digna, espaços públicos de qualidade. Só assim é possível falar em justiça urbana.
A cidade não é neutra. Ela carrega a marca das escolhas que fazemos — ou que deixamos que façam por nós. Se queremos uma cidade justa, precisamos assumir essa disputa.
Lutar pelo direito à cidade é lutar pela dignidade de todos. É garantir que nenhum cidadão seja invisível, descartável ou excluído. Porque onde a cidade falha, a dignidade se perde.